USO DE LORAZEPAM EM QUADRO DE CATATONIA: RELATO DE CASO

USE OF LORAZEPAM IN A CASE OF CATATONIA: CASE REPORT

 

FRITSCH, Laura Nagy¹; RODRIGUES, Fernanda de Castro²; PAULIN, Luiz Fernando da Silva³

¹ Residente de Psiquiatria do Hospital Universitário São Francisco de Assis na Providência de Deus (HUSF-SP). Médica pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG).

² Residente de Psiquiatria do Hospital Universitário São Francisco de Assis na Providência de Deus (HUSF-SP). Médica pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID – SP).

³ Coordenador do Programa de Residência Médica de Psiquiatria do HUSF, Professor Associado do curso de medicina da Universidade São Francisco - Bragança Paulista.

                                                 lauranagyfritsch@gmail.com

 

RESUMO. A catatonia, uma condição caracterizada por anormalidades na fala, movimento e comportamento. Este artigo enfatiza a importância do diagnóstico diferencial entre catatonia maligna, transtornos depressivos e delirium. Trata-se de um caso de uso de Lorazepam para tratamento de catatonia secundária à depressão com sintomas psicóticos. Foi realizada inicialmente revisão bibliográfica na plataforma Pubmed e, por meio de acesso ao prontuário médico disponível, foi realizado o estudo do caso clínico com anotações para posterior correlação clínica com a literatura. A escolha do caso se deu devido a escassez de dados em literatura consagrada sobre o assunto. Para avaliação e classificação da catatonia, utilizou-se a Escala de Bush Francis adaptada para o português. O paciente recebeu tratamento com Lorazepam, Mirtazapina e Risperidona para abordar os sintomas depressivos e psicóticos. O Lorazepam é o medicamento mais investigado, administrado em doses que variam de 2 a 16 mg/dia, chegando a 3mg/dia no paciente em questão, tendo remitido de seus sintomas dentro de 30 dias. A duração da terapia varia desde a administração de apenas uma dose até o tratamento contínuo enquanto persistirem os sintomas catatônicos. A resposta positiva ao Lorazepam em baixas doses, auxiliou no diagnóstico de catatonia. Ressalta-se a necessidade de uma abordagem interdisciplinar e de tratamento personalizado para atender às necessidades individuais dos pacientes. Além disso, é fundamental o reconhecimento precoce e a intervenção ágil para evitar desfechos adversos associados à catatonia. Salienta-se a necessidade de futuras pesquisas e relatórios de casos para aprimorar a compreensão e o tratamento da catatonia.

Palavras-chave: Lorazepam; Catatonia; Depressão; Saúde Mental.

 

ABSTRACT. Catatonia, a condition characterized by abnormalities in speech, movement, and behavior. This article emphasizes the importance of differential diagnosis between malignant catatonia, depressive disorders, and delirium. It involves a case of Lorazepam use for the treatment of catatonia secondary to depression with psychotic symptoms. Initially, a literature review was conducted using the PubMed platform, and through access to the available medical records, a study of the clinical case was performed with annotations for subsequent clinical correlation with the literature. The case was chosen due to the scarcity of data in established literature on the subject. For the evaluation and classification of catatonia, the Bush Francis Scale adapted for Portuguese was used. The patient received treatment with Lorazepam, Mirtazapine, and Risperidone to address depressive and psychotic symptoms. Lorazepam, the most investigated medication, was administered in doses ranging from 2 to 16 mg/day, reaching 3 mg/day in the patient in question, resulting in symptom remission within 30 days. The duration of therapy varies from a single dose administration to continuous treatment while catatonic symptoms persist. The positive response to low-dose Lorazepam assisted in the diagnosis of catatonia. It underscores the need for an interdisciplinary approach and personalized treatment to meet the individual needs of patients. Additionally, early recognition and prompt intervention are crucial to prevent adverse outcomes associated with catatonia. There is a need for future research and case reports to enhance the understanding and treatment of catatonia.

 

Keywords: Lorazepam; Catatonia; Depression; Mental Health.

 

INTRODUÇÃO

 

                  A síndrome catatônica, caracterizada por uma constelação de anormalidades na fala, movimento e comportamento, tem sido objeto de estudo em diversas condições clínicas, transcendendo sua associação inicial com a psicose. A pesquisa contemporânea demonstrou que a catatonia é reconhecida em pacientes com transtornos do humor, expandindo assim seu âmbito de aplicação clínica (DEJONG; BUNTON; HARE, 2014).

                  Essa apresentação clínica única levantou a sugestão de que a catatonia deveria ser considerada como uma síndrome independente. Contudo, até recentemente, a catatonia era apenas um especificador listado nos manuais de diagnóstico, aplicado a outros diagnósticos psiquiátricos. Inicialmente, Kraepelin a considerou como um subtipo de demência precoce, uma conceituação que perdurou por muitos anos, inclusive no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM)-III-R. No entanto, ao longo do tempo, tornou-se cada vez mais claro que a catatonia está associada a diversas condições metabólicas, neurológicas, psiquiátricas e tóxicas. O DSM-IV incorporou três entidades relacionadas à catatonia: como um subtipo de esquizofrenia, como uma especificação de transtornos afetivos e devido a uma condição médica. A importância de reconhecer a catatonia levou a mudanças em sua classificação no DSM-5 (PELZER et al., 2018). Uma das novidades dessa edição foi incluir a catatonia em um título separado no capítulo sobre Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos. Foi somente com a introdução do DSM-V que uma categoria diagnóstica denominada "Catatonia Não Especificada de Outra Forma" foi estabelecida. Essa categoria permite o diagnóstico de catatonia quando a causa subjacente não é conhecida ou quando a catatonia ocorre em condições que não se enquadram nos diagnósticos nos quais a catatonia é um especificador reconhecido (DEJONG; BUNTON; HARE, 2014).

                  A catatonia, uma manifestação clínica multifacetada, é observada em aproximadamente um em cada sete pacientes psicóticos e em cerca de um em cada cinco pacientes que apresentam episódios graves de humor. Em unidades de tratamento de pacientes agudos, a prevalência da catatonia varia entre 1,6% e 6,3% (OLDHAM; LEE, 2015).

                  Ainda há falta de clareza na compreensão da fisiopatologia e etiologia da catatonia. Uma das hipóteses levantadas é que pode estar relacionada a uma alteração na função dopaminérgica. Além disso, a disfunção dos sistemas de ácido gama-aminobutírico e glutamato também pode estar implicada (PELZER et al., 2018).

                  Com base em diretrizes terapêuticas recentes, o tratamento da catatonia tem se consolidado com ensaios clínicos que destacam a eficácia de intervenções como o uso de lorazepam e terapia eletroconvulsiva (ECT), tanto em quadros agudos quanto crônicos de catatonia (CARROLL et al., 2007).

               Considerando o contexto exposto, que inclui a prevalência crescente da catatonia e a escassez de relatos e estudos que empregam protocolos de tratamento atualizados, este projeto tem como objetivo relatar um caso de síndrome catatônica secundária a um episódio depressivo com sintomas psicóticos diagnosticado na enfermaria de psiquiatria do Hospital Universitário São Francisco de Assis (HUSF-SP). A intenção é contribuir para a expansão do conhecimento científico sobre a catatonia. O diagnóstico precoce e a implementação de abordagens terapêuticas ágeis podem, potencialmente, evitar desfechos adversos associados à catatonia e exercer um impacto substancial na dinâmica da saúde-doença, influenciando as etapas subsequentes do processo de cuidados médicos.

 

METODOLOGIA

 

Esta pesquisa refere-se a exposição de um caso de uso de Lorazepam para tratamento de catatonia secundária a depressão com sintomas psicóticos e busca pela literatura sobre o assunto. A pesquisa foi realizada segundo os princípios éticos das Resoluções do Conselho Nacional de Saúde 466/2012 e 510/2016 e suas complementares e da Carta Circular 039/2011/CONEP/CNS, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Plataforma Brasil – CAAE 75006423.4.0000.5514.

Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica por meio de busca por artigos em língua inglesa na plataforma Pubmed com os descritores “(Catatonic) AND (Lorazepam)”. A pesquisa inicial foi feita, na qual foram encontrados 411 artigos sobre o tema sem limite de tempo de publicação, dos quais 121 foram publicados nos últimos 5 anos. Dos 121 artigos selecionados pelo critério data, 08 foram escolhidos para a confecção deste trabalho, utilizando metanálises e revisões sistemáticas para o tema, sendo os demais descartados por não atingirem expectativa dentro do tema.

Por meio de acesso ao prontuário médico disponível utilizado na Enfermaria de Psiquiatria do Hospital Universitário São Francisco de Assis – HUSF -SP, foi realizado o estudo do caso clínico com anotações e, posteriormente, correlação clínica com a literatura. A escolha do caso se deu devido a escassez de dados em literatura consagrada sobre o assunto.

Para avaliação e classificação da catatonia, utilizou-se a Escala de Bush Francis adaptada para o português, validada pelo Instituto de Psiquiatria IPUB da Universidade Federal do Rio de Janeiro em maio de 2015 (NUNES, 2015, p. 59).

Este artigo apresenta um relato de caso clínico de um paciente do sexo masculino, com 47 anos de idade, divorciado, que foi encaminhado ao nosso serviço de saúde mental por meio do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de sua cidade. O encaminhamento se deu devido a alterações comportamentais que se manifestaram ao longo de seis meses, com uma acentuada piora nas quatro semanas anteriores à internação. O paciente inicialmente apresentou isolamento social, anedonia e redução do apetite. Entretanto, aproximadamente um mês antes da internação, os sintomas evoluíram para uma manifestação direta de alteração da sensopercepção, incluindo alucinações auditivas e, possivelmente, alucinoses visuais, associadas a um delírio persecutório que culminou no ato de incendiar sua própria residência. Com isso, a família levou-o ao CAPS, tentando inicialmente tratamento ambulatorial.

Nos dias subsequentes, o paciente experimentou uma piora na inapetência com significativa recusa alimentar, além de apresentar um retraimento social significativo. Além disso, demonstrou sinais de negativismo e manteve uma postura rígida, resistindo a qualquer tentativa de movimentação. Em grande parte do tempo, permaneceu imóvel, com exceção de um episódio de excitação psíquica com comportamento combativo, possível quadro de estupor, seguido pela retomada de seu padrão de catatonia.

Devido à complexidade dos sintomas, após quase 01 mês de tratamento ambulatorial sem sucesso, a família levou-o a uma consulta com um neurologista, sendo indicada então sua internação em enfermaria psiquiátrica. Na ocasião, foram descartadas causas infecciosas e anormalidades na tomografia de crânio, segundo laudo. Não foi identificada nenhuma condição clínica ou neurológica que justificasse os sintomas.

Havia sido internado cerca de 9 meses antes, durante 3 meses, devido ao alcoolismo, sendo orientado tratamento com risperidona após a alta, mas paciente nunca chegou a fazê-lo.

Na admissão, o paciente não estava colaborativo. Ele permanecia em estado de mutismo e apresentava negativismo, mantendo-se clinicamente estável. Em CAPS, nas três semanas anteriores, o paciente havia iniciado tratamento irregular com uso irregular de sertralina, haldol e lorazepam, sendo este último medicamento introduzido três dias antes da internação, com histórico de uso prévio de diazepam.

O tratamento na admissão incluiu a suspensão do uso de haldol e sertralina, com o início de lorazepam na dose de 2mg a cada 8 horas. Foram solicitados exames laboratoriais, eletrocardiograma e exame de urina. Uma consulta com a equipe de clínica médica foi solicitada para investigar possíveis causas clínicas subjacentes. Além disso, foram realizados exames específicos, como coleta e cultura de líquor, urocultura, hemocultura, radiografia de tórax e ressonância magnética de crânio a fim de excluir a presença de focos infecciosos e outras causas orgânicas.

As hipóteses diagnósticas consistiram em distúrbios mentais orgânicos (delirium hipoativo), síndrome depressiva com sintomas psicóticos e complicações do transtorno mental e comportamental devido ao uso de álcool. A vigilância ao paciente foi mantida, em uso de sonda nasoenteral e sonda vesical de demora.

O paciente permaneceu estável, com melhora dos sintomas. Aos poucos foi tentada redução do Lorazepam, sendo medicado com 2mg ao 14º DIH. Com retomada gradual dos sintomas, mantendo-se em estado de mutismo, imobilidade e evoluindo com disfunções autonômicas apenas no 17º dia de internação quando foi aventada então a hipótese de catatonia maligna, excluída após boa evolução do quadro e observação do paciente em enfermaria da clínica médica. Retomado Lorazepam 3mg no 23º dia de internação hospitalar.

Aos poucos, o paciente saiu do quadro de catatonia e mutismo, começando a verbalizar frases niilistas, corroborando para diagnóstico de síndrome depressiva secundária. Introduzida então Mirtazapina 30mg (inicialmente meio comprimido) com progressão da dose até 45 mg no 23º dia de internação e Risperidona 2mg (01 comprimido) no 38º dia de internação.

O diagnóstico psiquiátrico foi estabelecido por exclusão, e nesse contexto, houve a melhora clínica com o uso de medicamentos. Foi utilizada a Escala de Bush Francis adaptada para o português como forma de parâmetro.

Paciente teve alta após 46º dia de internação em uso de Lorazepam estando ativo, vigil, levemente hipotímico, sem sinais de negativismo, mutismo, rigidez e com melhora da interação social, incluindo participação nos grupos de terapia ocupacional.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Em 1874, C. Wernicke e K.L. Kahlbaum descreveram pela primeira vez a catatonia como um conjunto de sintomas psicomotores em sua publicação intitulada "Die Katatonie oder das Spannungsirresein". Nessa obra, a principal característica atribuída à catatonia foi um estado de extrema tensão (VERBRAEKEN; LUYKX, 2018).

Kraepelin, inicialmente, considerou-a como um subtipo de demência precoce, uma conceituação que perdurou por muitos anos, inclusive no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM)-III-R. No entanto, ao longo do tempo, ficou cada vez mais claro que a catatonia está associada a diversas condições metabólicas, neurológicas, psiquiátricas e tóxicas. O DSM-IV incluiu três entidades relacionadas à catatonia: como um subtipo de esquizofrenia, como uma especificação de transtornos afetivos e devido a uma condição médica. O reconhecimento da importância da catatonia levou a mudanças em sua classificação no DSM-5. Uma das novidades desta edição foi a inclusão da catatonia sob um título separado no capítulo sobre Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos. No DSM-5, a catatonia é classificada em três formas distintas: "catatonia associada a outro transtorno mental", "transtorno catatônico devido a outra condição médica" e "catatonia não especificada (PELZER et al., 2018).

A catatonia é uma síndrome que se caracteriza por anormalidades motoras, como atividade sem propósito, imobilidade e postura, acompanhadas de distúrbios da consciência e da vontade. Devido à sua natureza debilitante e ao alto risco de complicações, geralmente é tratada em ambiente hospitalar. Foi descrita em diferentes contextos, incluindo a esquizofrenia, doenças orgânicas e transtornos do humor. Independentemente da causa, quando a catatonia não é tratada, os pacientes enfrentam um risco aumentado de desenvolver uma série de resultados negativos, como negativismo extremo, mutismo e ecolalia. Pessoas com catatonia também estão propensas a desenvolver complicações como pneumonia e tromboembolismo. A desnutrição e a desidratação são comuns nesses casos (ZAMAN; GIBSON; WALCOTT, 2019).

Ainda há falta de clareza na compreensão da fisiopatologia e etiologia da catatonia. Uma das hipóteses levantadas é que pode estar relacionada a uma alteração na função dopaminérgica. Além disso, a disfunção dos sistemas de ácido gama-aminobutírico e glutamato também pode estar implicada (PELZER et al., 2018).

A catatonia pode ser categorizada em quatro tipos distintos. O primeiro é o tipo hipercinético, caracterizado por agitação, combatividade, verbosidade, estereotipias, ecolalia e ecopraxia. O segundo é o tipo estuporoso, marcado por estupor, mutismo, postura e negativismo. O terceiro tipo é a catatonia letal ou maligna, uma condição emergente que envolve alterações na consciência, febre, rigidez severa e instabilidade autônoma. Por fim, o quarto tipo é a catatonia periódica, caracterizada pelo retorno cíclico dos sintomas de catatonia. Esses episódios duram em média de quatro a dez dias e podem recorrer semanas ou anos depois (VERBRAEKEN; LUYKX, 2018).

O diagnóstico diferencial pode ser desafiador devido à falta atual de biomarcadores e à especificidade dos sintomas. Diversas condições precisam ser consideradas no diagnóstico diferencial, tais como síndrome antipsicótica maligna, efeitos colaterais extrapiramidais de medicamentos psicofarmacológicos, encefalopatia hiperamonêmica, distonia aguda, discinesia tardia, acatisia, episódios maníacos, delirium, distúrbios do movimento compulsório, distúrbio de conversão, certas compulsões no TOC, síndrome da serotonina, síndrome do encarceramento, estado vegetativo e Síndrome da Pessoa Rígida, distúrbios cinéticos com hipocalcemia, tétano, toxicidade por estricnina, raiva e complexos de epilepsia parcial, estado de mal epiléptico não convulsivo (VERBRAEKEN; LUYKX, 2018).

No diagnóstico diferencial, também levamos em consideração crises epilépticas parciais complexas, acinesia pós-ictal, delírio pós-ictal, hipoativo delirium, estado de mal epiléptico não convulsivo, psicose pós-ictal e estupor não psiquiátrico (caracterizado por imobilidade, mutismo, ausência de resposta aos estímulos; traumatismo craniano, anóxia, epilepsia e encefalopatia de origem desconhecida) (VERBRAEKEN; LUYKX, 2018).

Foi conduzida inicialmente uma revisão da literatura por meio de busca por artigos em língua inglesa na plataforma Pubmed com os descritores “(Catatonic) AND (Lorazepam)”. Foram encontrados 411 artigos sobre o tema sem limite de tempo de publicação, dos quais 121 foram publicados nos últimos 5 anos. Dos 121 artigos selecionados pelo critério data, 08 foram escolhidos para a confecção deste trabalho, utilizando metanálises e revisões sistemáticas, sendo os demais descartados por não atingirem expectativa dentro do tema.

Para nosso paciente, foi  administrado Lorazepam 3mg/dia pois a formulação intravenosa não é disponível no Brasil. Os benzodiazepínicos são frequentemente recomendados como o tratamento inicial, e todos os pacientes se recuperaram com êxito em um período de 2 a 18 dias (RIZOS; PERITOGIANNIS; GKOGKOS, 2011). A literatura aponta que aproximadamente um terço dos pacientes com catatonia que receberam uma dose de lorazepam de 3-6 mg por dia, durante 3-7 dias, alcançaram uma recuperação completa, enquanto que em dois terços dos casos analisados, houve uma melhora nos sintomas da catatonia (TIBREWAL et al., 2010). 

Os benzodiazepínicos e a terapia eletroconvulsiva (ECT) são os métodos de tratamento mais extensivamente estudados para a catatonia (PELZER et al., 2018). O tratamento com benzodiazepínicos é o mais amplamente estudado. Os benzodiazepínicos potencializam a atividade GABAérgica e acredita-se que atenuem a desregulação GABAérgica subjacente nos sintomas catatônicos (ZAMAN; GIBSON; WALCOTT, 2019). O lorazepam é o medicamento mais investigado, administrado em doses que variam de 2 a 16 mg/dia. Alguns estudos também investigaram o protocolo lorazepam/diazepam, com resultados variáveis. A forma de administração é principalmente via oral (VO), mas em casos em que a administração oral não é viável devido ao estado mental do paciente, métodos parenterais (intramuscular [IM] ou intravenoso [IV]) são utilizados. A duração da terapia varia desde a administração de apenas uma dose até a administração contínua enquanto persistirem os sintomas catatônicos. Em alguns estudos, descreve-se que o efeito do lorazepam desaparece após 3 a 5 horas e os sintomas podem retornar subsequentemente. A porcentagem média de resposta e remissão relatada em estudos ocidentais varia entre 66% e 100%, enquanto estudos asiáticos relatam porcentagens entre 0% e 100%. As porcentagens na Índia estão entre 17% e 100% (remissão total mais remissão parcial). As porcentagens mais baixas são relatadas em estudos não ocidentais (PELZER et al., 2018).

Uma resposta positiva a um teste diagnóstico com lorazepam, comumente definida como uma redução de 50% nos sinais catatônicos em uma escala padronizada, torna o diagnóstico de catatonia mais provável, mas não é 100% específica. Uma boa resposta no primeiro dia parece ser preditiva da resposta geral ao lorazepam (ROGERS et al., 2023).

Para avaliação e classificação da catatonia, utilizou-se a Escala de Bush Francis Adaptada para o português, validada pelo Instituto de Psiquiatria IPUB da Universidade Federal do Rio de Janeiro em maio de 2015 (NUNES, 2015, p. 59) (Tabela 1).

Os dois principais instrumentos de avaliação da catatonia são a Escala de Avaliação da Catatonia Bush-Francis (BFCRS) e a NCRS, cada um com suas peculiaridades. O BFCRS é a mais amplamente citada e usada clinicamente em todo o mundo, com boas propriedades psicométricas e a única escala validada para avaliar o desempenho do Lorazepam no teste diagnóstico (ROGERS et al., 2023).

O uso da Risperidona se deu devido a presença de discurso niilista de ruína uma vez possível de acessar o conteudo do pensamento. Para o tratamento catatonia, a utilização de antipsicóticos não é recomendada devido ao risco associado à Síndrome Neuroléptica Maligna (NMS). No entanto, esses medicamentos são administrados a pacientes com um histórico subjacente de psicose ou àqueles que apresentam sintomas psicóticos. Os antipsicóticos de primeira geração (FGAs) possuem uma maior afinidade pelos receptores de dopamina D2, o que potencialmente aumenta o risco de NMS e EPS. Portanto, os antipsicóticos de segunda geração (SGAs) são preferidos (PATEL; VELURI; VERMA, 2020).

 

Tabela 1.  Uso de Lorazepam e Escala de Bush Francis adaptada ao português no decorrer dos dias de internação.

 

3º DIH

(0 mg)

7º DIH

(3mg)

22 º DIH

(1mg)

23 º DIH

(3mg)

24º DIH

(3mg)

Excitação

0

0

0

0

0

Imobilidade/Estupor

3

1

1

1

0

Mutismo

3

3

3

2

0

Olhar fixo

3

2

2

2

0

Postura/Catalepsia

3

1

3

3

0

Mímica facial/Caretas

3

0

3

3

0

Ecopraxia/Ecolalia

0

0

0

0

0

Estereotipia

0

0

0

0

0

Maneirismos

0

0

0

0

0

Varbigeração

0

0

0

0

0

Rigidez

2

2

1

1

0

Negativismo

1

1

1

1

0

Flexibilidade cerácea

3

0

0

0

0

Recusa/Retraimento social

3

3

2

2

0

Impulsividade

0

0

0

0

0

Obediência automática

0

0

0

0

0

“Mitgehen”

0

0

0

0

0

“Gegenhalten”

0

0

0

0

0

Ambitendência

0

0

3

3

0

Reflexo da preensão palmar

0

0

0

0

0

Perseveração

0

0

0

0

0

Combatividade

0

0

0

0

0

Anormalidade autonômica

0

0

0

0

0

Total

24 pontos

13 pontos

19 pontos

18 pontos

0 pontos

DIH – Dia de Internação Hospitalar

Fonte: Próprio Autor

 

Em alguns casos, o uso de antipsicóticos pode agravar a catatonia (ZAMAN; GIBSON; WALCOTT, 2019). Em estudo com 14 pessoas diagnosticadas com esquizofrenia que apresentavam sintomas catatônicos persistentes há três semanas foi comparado o efeito de um medicamento antipsicótico (risperidona) com a terapia eletroconvulsiva. Os resultados mostraram que tanto a risperidona quanto a terapia eletroconvulsiva melhoraram os sintomas de psicose e catatonia. No entanto, a terapia eletroconvulsiva apresentou resultados superiores nas primeiras três semanas de tratamento. Devido ao pequeno número de participantes do estudo e à curta duração da pesquisa, o resultado do estudo mostrou-se incerto e, portanto, não foi possível concluir de forma definitiva se algum antipsicótico é mais seguro ou eficaz em comparação com outros tratamentos. Estudos adicionais são necessários para aprofundar a compreensão dos benefícios e da segurança dos antipsicóticos no tratamento da catatonia (HUANG et al., 2022).

Onze estudos descreveram os efeitos da ECT como método de tratamento para catatonia. Em seis estudos, a ECT foi administrada como terapia secundária quando não havia resposta ou resposta insuficiente aos benzodiazepínicos. Em outros casos, a ECT não foi apenas iniciada após farmacoterapia ineficaz, mas também como terapia primária, por exemplo, em situações de risco de vida (PELZER et al., 2018). A ECT não foi realizada dada ausência do equipamento em nossa instituição e dada resposta efetiva do paciente a baixas doses de lorazepam via oral.

A Mirtazapina é um antidepressivo com características atípicas. Em baixas doses, demonstra uma acentuada atividade antihistamínica, enquanto em doses mais elevadas exibe uma maior atividade noradrenérgica e atua como antagonista nos receptores alfa-2-adrenérgicos, receptores de histamina H1 e receptores de serotonina (5-HT2A, 5-HT2C, 5-HT3). A inibição dos receptores 5-HT3 reduz a atividade da dopamina no sistema mesolímbico, reduzindo assim os sintomas psicóticos. Por outro lado, a inibição dos receptores 5-HT2A e 5-HT2C aumenta a atividade dopaminérgica em certas áreas do cérebro, o que auxilia na redução dos sintomas de catatonia. Além disso, a inclusão de benzodiazepínicos (BZD) em um plano de tratamento psicotrópico melhora tanto os sintomas de catatonia quanto de depressão e deve ser mantida por um período mínimo de três a seis meses para prevenir recaídas e recorrências. Alguns antipsicóticos atípicos/antipsicóticos de segunda geração (SGAs) têm demonstrado eficácia no tratamento de sintomas de catatonia por meio de mecanismos semelhantes aos observados com a mirtazapina (PATEL; VELURI; VERMA, 2020). Portanto, optou-se por prescrever este antidepressivo para o paciente em questão, considerando a catatonia associada a uma depressão com sintomas psicóticos.

 

CONCLUSÃO

 

Este relato de caso enfatiza a importância de uma avaliação minuciosa em pacientes com apresentações clínicas desafiadoras. O diagnóstico diferencial entre catatonia maligna, transtornos depressivos e delirium é fundamental para o tratamento e a recuperação bem-sucedida do paciente. A abordagem interdisciplinar e a adaptação do tratamento desempenham um papel crucial para atender às necessidades individuais de cada paciente.

A catatonia não é uma condição simples de diagnosticar. Exige não apenas conhecimento por parte dos profissionais de saúde, mas também um tratamento rápido e eficaz. Neste relato de caso, reconhecemos que as doses de lorazepam utilizadas não foram elevadas. Essas doses foram administradas por via oral, e infelizmente, não tínhamos ECT disponível em nosso hospital. Isso pode ter afetado a evolução do nosso paciente, uma vez que há evidências de que a combinação de benzodiazepínicos com ECT tem um efeito sinérgico. No entanto, a intervenção precoce com lorazepam evitou que o paciente desenvolvesse uma complicação fatal. Portanto, este relato de caso demonstrou que o diagnóstico e a intervenção precoces reduziram a ocorrência de desfechos clínicos graves e irreversíveis.

No que diz respeito aos antidepressivos, a Mirtazapina deve ser a escolha preferencial, uma vez que demonstra um impacto significativo na melhoria da depressão psicótica e da catatonia. A falta de estudos e relatórios de casos sobre a eficácia da mirtazapina tem contribuído para a subutilização desse medicamento em tais circunstâncias.

 

 

REFERÊNCIAS

 

CARROLL, Brendan T. et al. Review of Adjunctive Glutamate Antagonist Therapy in the Treatment of Catatonic Syndromes. The Journal of Neuropsychiatry and Clinical Neurosciences, [S.L.], v. 19, n. 4, p. 406-412, out. 2007. American Psychiatric Association Publishing. http://dx.doi.org/10.1176/jnp.2007.19.4.406.

 

DEJONG, Hannah; BUNTON, Penny; HARE, Dougal J. A Systematic Review of Interventions Used to Treat Catatonic Symptoms in People with Autistic Spectrum Disorders. Journal Of Autism and Developmental Disorders, [S.L.], v. 44, n. 9, p. 2127-2136, 19 mar. 2014. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-014-2085-y.

 

HUANG, Michael W; GIBSON, Roger Carl; JAYARAM, Mahesh B; CAROFF, Stanley N. Antipsychotics for schizophrenia spectrum disorders with catatonic symptoms. Cochrane Database of Systematic Reviews, [S.L.], v. 2022, n. 7, p. 1-42, 12 jul. 2022. Wiley. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.cd013100.pub2.

 

NUNES, Ana Letícia Santos. Classificação e avaliação da Síndrome catatônica. 2015. 68 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Psiquiatria, Instituto de Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: http://objdig.ufrj.br/52/teses/828851.pdf. Acesso em: 01 maio 2015.

 

OLDHAM, Mark A.; LEE, Hochang, B. Catatonia vis-à-vis delirium: the significance of recognizing catatonia in altered mental status. General Hospital Psychiatry, [S.L.], v. 37, n. 6, p. 554-559, nov. 2015. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.genhosppsych.2015.06.011.

 

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Recebido em: 07/02/2024.

Publicado em: 10/04/2024.